27 julho 2016

Carta para o meu pai


   Estou aqui, sentada na cadeira ao lado do seu leito. Os sons desses aparelhos atormentam a minha mente, sinto que a qualquer momento tudo pode parar, o seu coração não irá bater e sim, não saberei o que fazer, pois sei que apesar de todas as diferenças, ele me pertence. Pois mesmo já velha, o Senhor me enxerga como uma garotinha e faz de mim a filha mais mimada. E tá doendo aqui. Tá doendo muito no meu peito.
   Sabe, pai, sei que andei por caminhos errados, sei que sempre fui de enfrentar as suas ordens, ao invés de ouvi-las. Sei que não fui obediente e que você culpa muita gente por isso, mas o culpado de tudo não foi o Senhor, fui eu mesma. Você construiu o castelo de uma princesa, para a sua princesa, para mim. Eu apenas nasci com a curiosidade em tudo que é proibido, que é feio aos olhos da sociedade, que não faz bem e que vai além.
   A culpa, pai, não foi do Senhor. Foi minha. Eu poderia ter conhecido tudo, se soubesse o valor do tempo, do momento e das consequências das minhas atitudes. Eu fui uma inconsequente. Peço desculpas, meu pai, pelas suas noites mal dormidas, pelas vezes que trabalhou sem folga para comprar o computador mais moderno ou a mochila da moda. Desculpa, pai, pelas garrafas de vinho que tomei, pelas brigas que já causei e pela mágoa que gerei. Desculpa, pai, por não ter sido a sua princesa, a filha que você tanto cuidou, rebelou-se e já foi vista como monstro por muita gente.
   Te peço desculpas, meu pai, e peço que abra os olhos, e veja a sua princesa aqui com você. Quero que sinta o calor da minha mão segurando a sua. Quero que veja as lágrimas que agora escorrem pelo meu rosto e que depois você não possa ver. Pai, peço que fique mais um pouco, eu prometo obedecer. Ainda não estou pronta para lidar com a sua partida, ainda não é o momento de cuidar de toda a nossa família sozinha. Pai, o Senhor tem muito o que fazer ainda aqui. Por favor, olhe pra mim!
Se eu te perder, eu perco o mundo, eu me perco, eu morro junto.
Pai, não se vá. Olhe pra mim.

Joyce Xavier


25 julho 2016

Onde mora o amor?

Durante dez anos da minha vida, acreditei que o meu primeiro namorado, Francisco, fosse o amor que Deus colocou no meu caminho. Durante anos sonhei que o procurava por ruas cruas, por casas manchadas de lágrimas, por escadas de madeira velha, por florestas e cômodos sem móveis. Talvez, fosse a necessidade de saber por onde ele andava ou, até mesmo, a falta que ele fazia em mim. Quando completou dez anos, eu o encontrei. Não morava mais na mesma cidade que eu e, também, já tinha outra pessoa. Chorei. Chorei como criança. Chorei como se tivesse arrancado algo de mim. Chorei com o sangue do meu próprio veneno, pois um dia eu o fiz sofrer. Eu errei e ele partiu. Nunca mais quis me olhar. Nunca mais quis saber sobre mim, ou se quis, não contou a ninguém.

   Depois disso, fiquei analisando o amor, o que seria o amor e o que ele representa no mundo. Em nossas vidas. Tive outros namorados, até acreditar ter encontrado o amor, José. Amor que não era amor (hoje percebo isto), mas que talvez tenha me feito sofrer mais do que o meu primeiro namorado sofreu por mim. Lembro-me da carta que eu havia dado e ele rasgava chorando como uma criança. Eu, com o olhar frio e sem nenhum sentimento, derrubei sequer alguma lágrima. A minha relação foi totalmente conturbada. Ele saía todas as noites e eu chorava no travesseiro, não entendendo muito bem, mas sabendo que estava passando por algo. Por algum motivo. Chorava querendo ser feliz sem o José. Chorava pensando em como Francisco chorou por mim. Chorava não querendo ir embora, querendo ficar naquele lugar que não me pertencia mais.

   Arrumei as minhas malas e fui. Todas as roupas largadas nos sacos de lixo. Saí como uma “Zé Ninguém” e sem um centavo no bolso. Caminhei sobre a minha antiga rua tropeçando nos paralelepípedos que sangravam o meu dedo, mas nada sangrava tanto em mim como a dor da rejeição. Eu fui rejeitada por quem eu pensava que amava. Que me amava. Voltei para a casa dos meus pais desorientada e como companhia, o lençol velho da minha mãe. Tudo estava diferente e fora do lugar. Nada era igual. A minha presença não seria aceita ali. Mas para a minha surpresa, foi. Fiquei doente, tive ajuda de muitos e de pessoas de bem. Resolvi levantar a cabeça e seguir a minha vida, eu precisava viver e para que isso fosse possível, guardei as dores na caixa de lembranças debaixo da cama. Somente à noite elas viriam me atormentar com os monstros da saudade. Durante muito tempo eu chorei sozinha e não contei para ninguém. Continuei pelos bares da cidade, batendo em portas achando encontrar o amor, bebendo goles de cachaça para esquecer a dor e construindo uma armadura de defesa para que eu não me magoasse mais.

   Até que um dia, conheci alguém que conseguiu me desarmar e me chamou atenção. Logo ele, João, um tipo de homem que eu jamais gostaria de ter na vida. Com quem eu jamais dividiria meus dias.

   Mais uma vez eu estava enganada. Mais uma vez, a porta foi batida na minha cara, mais uma vez voltei a ficar armada, mais uma vez fiquei sem esperança e agora, do nada, não acredito mais em nada. Não acredito mais em ninguém. Não quero mais saber e ouvir coisas que os outros têm a dizer. Talvez eu seja repleta de dor, mas no fundo, só quero saber onde mora o amor.

(Além de morar dentro de mim todos os dias).

Joyce Xavier