Saio para beber, como uma noite normal, como se
no dia seguinte não houvesse trabalho e eu pudesse acordar meio-dia com a
ressaca - também - do cigarro. Saio do trabalho e recebo inúmeros convites, na carteira
tem uns trocados (aqueles trocados que você não pode gastar, o seu kit de
sobrevivência do mês) e o cartão de crédito quase chegando no seu limite.
Rejeito várias ligações, mas sempre tem aquela que é irresistível, sempre tem
alguém que você nunca consegue dizer não, sempre tem alguém que pode fazer com
que você mude os seus planos. Não adianta negar, sempre tem alguém.
- Cátia da cachaça, vamos beber hoje? – Pâmela
me liga, como se eu aguentasse trabalhar de ressaca.
- Não posso, amanhã acordo cedo e a gerente já
está no meu pé! – respondo com uma revolta e aparentemente, com abstinência de
algo que eu finjo não saber o que é.
- Daniel estará no barzinho hoje... – sem
deixar ela terminar de falar, eu desligo o telefone não querendo saber de mais
nada. Nem dele.
Desço do
ônibus, como sempre desajeitada, deixo meu único cigarro cair no chão e por
crenças não pego, coloco meus fones de ouvido e caminho até o bar mais próximo
para comprar outro maço. Chego na porta, vejo Pâmela e alguns amigos, como sempre
tento me esconder. Meu disfarce de responsabilidade atrás do garçom não
funciona, os bêbados reconhecem um bêbado e em segundos escuto um suave grito
com o meu nome. Pronto! Todos os amigos estão reunidos em uma única mesa. Um
aceno de longe não é o suficiente, eles fazem movimentos com as mãos para que
você chegue mais perto. É aí que mora o perigo!
- Cátia, venhaaaaaa! – Pâmela já grita me
puxando até a mesa. Sem que ela perceba, eu olho para os lados. Para todos os
lados e não vejo Daniel.
- Cadê o Daniel? – Sussurro em seu ouvido antes
de chegar até a mesa, para que ninguém escute.
Ela me responde com o olhar e o meu olhar, sem
querer olhar, mas já olhando com o olhar de matar, o vê com outra. Uma outra
que nunca vi, uma outra qualquer, uma outra que ele deve usar como ele me usa. Mas
como eu, ela deve ser mais uma que fica irritada com a outra, então é melhor eu
não dizer nada e fingir que não o vi com a outra. E ele como deve ter me visto,
fez questão de sentar em outra mesa. Não foi tão cara de pau de sentar com os
nossos amigos, mas foi tão insensível em sentar na mesa ao lado.
Enquanto me aproximo a mesa, meus pensamentos
não param de reclamar "amanhã você trabalha cedo", “vai ficar até o
final da noite assistindo seu amado com outra?”, “além de assistir de camarote,
quer ter motivos de chorar pela madrugada?”. Tudo isso não saia da minha cabeça
e depois de chegar, abraçar, de fazer aquela festa de cumprimentos (sim, sou
escandalosa) , vejo que meu copo já está cheio com a loira estupidamente gelada
e sem pensar, já o deixo pela metade com um único gole. O poço é fundo e o
tempo é curto. Estou com raiva, quero ir naquela mesa e jogar tudo para o alto.
Quero pegar o meu copo e jogar a cerveja toda na cara aquela outra e dizer que
eu sou a única que faz borboletinhas com ele no sofá. É me deu vontade, mas
lembrei que a vontade de beber é maior que o meu ódio e ainda me tranquiliza.
A hora voa e quando olho no relógio, já são
duas da manhã. Não há motivos para pensar no dia seguinte, não haverá dia
seguinte e sim o mesmo dia. Pra quê dormir, se as sete tenho que estar de pé?
Sono é para os fracos e depois de vários copos de cerveja, duas tequilas e uma
caipirinha, eu sou a mulher maravilha lindamente milionária. Não existem contas
a pagar e muito menos limite no cartão de crédito. Hoje estou com a fúria da
mulher, que não tem nada com o cara, mas vê o cara com a outra de sorrisos e
abraços. Se fosse ao contrário, eu seria vista como uma galinha, mas como ele é
homem tudo é bonito. Sociedade de merda.
- E aí gatinha, posso te conhecer?
- Não, eu sou muito antipática para alguém ter
a vontade de me conhecer. – respondi bêbada para algum idiota que queria a
minha presença. Ou talvez uns beijos. Ou talvez uma noite de amor. Mas hoje, eu
estou mais para um filme de terror.
- Que isso, você é demais...
O bar fecha e a vontade de beber não para. O
psicológico já se encontra culpado, mas a alegria é imensa, não quero perder um
minuto da madrugada. E a bebida não para. Com isso, encontro amigos que não
vejo há muito tempo, as gargalhadas são mais espalhafatosas e todo mundo vira
rico. Fomos a um posto de gasolina próximo ao bar, mesmo embriagada, enxerguei
Daniel de longe, conversando com um dos nossos amigos e eu já louca,
sentindo-me a mulher gato. Entrei na loja de conveniência, passei por ele e
fingi não ver novamente. Ele estava sozinho e Pâmela não parava de falar no meu
ouvido. Mas eu quero beber até morrer e não quero pensar em Daniel e nem nos
minutos que ainda me restarão para dormir. Se ainda existir minuto disponível
para o sono enlouquecedor de uma bêbada.
- E aí metida... Não fala mais com os pobres
não? – Daniel puxou o meu braço, quando estava saindo da loja de conveniência.
- Eu não falo com homem idiota... – Respondi
com o meu olhar vesgo alcoolizada e joguei os meus cabelos Maria Bethânia no
rosto dele. Tem horas, que além do corpo, o cabelo também se arma por conta do
álcool.
- Nossa, mas porque a revolta? Vamos dar uma
saída... Estou com saudade...
Fingi não escutar a gracinha e sentei-me na
mesa com os meus amigos. Alguns já foram embora e Pâmela me acompanha em todos
os goles como sempre. Sem ter nenhuma noção, Daniel resolve sentar do meu lado
tentando levar para cama uma Cátia bêbada, como ele já fez diversas vezes, mas
desta vez eu o vi com outra. Não tem como, eu já bebi por todo o ano e não
posso me deixar levar pelo desejo. Não desta vez.
Pedi para a Pâmela pedir um táxi pelo
aplicativo do celular e enquanto esperávamos, um mosquito erótico não cansava
de falar no meu ouvido. Isso é, se mosquito falasse...
- Pára de bobeira, você sabe que eu te amo...
- Não vai me deixar ir com você?
- Não! Vai pro inferno! Vai pro Motel com
aquela outra... Me deixa em paz! – Bati a porta do carro com raiva, o taxista
me olhou com uma cara feia, pedi desculpas e disse o endereço, logo depois de
ouvir “TÁ COM CIUMES” de Daniel e alguns amigos que ficaram no posto bebendo.
Às cinco da manhã chego em casa, totalmente
embriagada, tiro os sapatos e tomo um banho de gato. Durmo com a maquiagem e
acordo trinta minutos atrasada com os berros da minha mãe. Levanto no susto,
corro para o banheiro e o carnaval se antecipa com a bateria da escola de samba
"Unidos da Ressaca" na minha cabeça. Dez quilos de maquiagem na cara,
olhos escuros para me esconder e balas de menta na bolsa e na boca, o cheiro da
cachaça e do cigarro impregnaram em mim. Coloco um óculos escuros para
disfarçar os olhos de panda e assim que eu chego no trabalho, tenho uma visão
assustadora.
- Atrasada não é dona Cátia da Cachaça? – minha
gerente já me olha e diz com aquele tom de “hoje você está ferrada!”
Sigo imediatamente para a minha sala tentando
disfarçar a embriagues. Coloco uma garrafa de água na mesa, bebo como se
estivesse caminhando no deserto e a cada toque do telefone, os meus neurônios
se irritavam e o meu corpo se arrepiava. Paciência zero para aturar qualquer
ofensa de cliente. Parece que quando isso acontece, a minha gerente fica no meu
pé. Sim, aturá-la na ressaca é um teste de sobrevivência.
- Cátia, cadê o relatório? Cátia, já entrou em
contato com o cliente de Copacabana? Cátia, cadê a planilha no excel...
- Aaaaaaah que saco! – Pensei alto, mas a minha
sorte é que ela já estava fora da minha sala.
Arrependo-me quando me olho no espelho na hora
do almoço, choro quando vejo a minha carteira vazia e sinto vergonha de pedir
dinheiro emprestado para a minha mãe, afinal, ninguém mandou eu beber além do
meu limite corporal e financeiro. Com essas coisas, paro e penso: Por que eu
não consigo beber como uma pessoa normal? Já não havia visto os amigos e bebido
até umas duas da manhã? Por que mais? A pessoa não se contenta com pouco e
sempre quer ir mais além? Coisas da vida, coisas de bêbada depressiva... Às
vezes, é minha vida.
Joyce Xavier - Trecho do livro "A outra voz"
Perfeito Diva!!!
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