20 setembro 2016

A noite de uma bêbada depressiva



Saio para beber, como uma noite normal, como se no dia seguinte não houvesse trabalho e eu pudesse acordar meio-dia com a ressaca - também - do cigarro. Saio do trabalho e recebo inúmeros convites, na carteira tem uns trocados (aqueles trocados que você não pode gastar, o seu kit de sobrevivência do mês) e o cartão de crédito quase chegando no seu limite. Rejeito várias ligações, mas sempre tem aquela que é irresistível, sempre tem alguém que você nunca consegue dizer não, sempre tem alguém que pode fazer com que você mude os seus planos. Não adianta negar, sempre tem alguém.

- Cátia da cachaça, vamos beber hoje? – Pâmela me liga, como se eu aguentasse trabalhar de ressaca.

- Não posso, amanhã acordo cedo e a gerente já está no meu pé! – respondo com uma revolta e aparentemente, com abstinência de algo que eu finjo não saber o que é.

- Daniel estará no barzinho hoje... – sem deixar ela terminar de falar, eu desligo o telefone não querendo saber de mais nada. Nem dele.

 Desço do ônibus, como sempre desajeitada, deixo meu único cigarro cair no chão e por crenças não pego, coloco meus fones de ouvido e caminho até o bar mais próximo para comprar outro maço. Chego na porta, vejo Pâmela e alguns amigos, como sempre tento me esconder. Meu disfarce de responsabilidade atrás do garçom não funciona, os bêbados reconhecem um bêbado e em segundos escuto um suave grito com o meu nome. Pronto! Todos os amigos estão reunidos em uma única mesa. Um aceno de longe não é o suficiente, eles fazem movimentos com as mãos para que você chegue mais perto. É aí que mora o perigo!

- Cátia, venhaaaaaa! – Pâmela já grita me puxando até a mesa. Sem que ela perceba, eu olho para os lados. Para todos os lados e não vejo Daniel.

- Cadê o Daniel? – Sussurro em seu ouvido antes de chegar até a mesa, para que ninguém escute.

Ela me responde com o olhar e o meu olhar, sem querer olhar, mas já olhando com o olhar de matar, o vê com outra. Uma outra que nunca vi, uma outra qualquer, uma outra que ele deve usar como ele me usa. Mas como eu, ela deve ser mais uma que fica irritada com a outra, então é melhor eu não dizer nada e fingir que não o vi com a outra. E ele como deve ter me visto, fez questão de sentar em outra mesa. Não foi tão cara de pau de sentar com os nossos amigos, mas foi tão insensível em sentar na mesa ao lado.

Enquanto me aproximo a mesa, meus pensamentos não param de reclamar "amanhã você trabalha cedo", “vai ficar até o final da noite assistindo seu amado com outra?”, “além de assistir de camarote, quer ter motivos de chorar pela madrugada?”. Tudo isso não saia da minha cabeça e depois de chegar, abraçar, de fazer aquela festa de cumprimentos (sim, sou escandalosa) , vejo que meu copo já está cheio com a loira estupidamente gelada e sem pensar, já o deixo pela metade com um único gole. O poço é fundo e o tempo é curto. Estou com raiva, quero ir naquela mesa e jogar tudo para o alto. Quero pegar o meu copo e jogar a cerveja toda na cara aquela outra e dizer que eu sou a única que faz borboletinhas com ele no sofá. É me deu vontade, mas lembrei que a vontade de beber é maior que o meu ódio e ainda me tranquiliza.

A hora voa e quando olho no relógio, já são duas da manhã. Não há motivos para pensar no dia seguinte, não haverá dia seguinte e sim o mesmo dia. Pra quê dormir, se as sete tenho que estar de pé? Sono é para os fracos e depois de vários copos de cerveja, duas tequilas e uma caipirinha, eu sou a mulher maravilha lindamente milionária. Não existem contas a pagar e muito menos limite no cartão de crédito. Hoje estou com a fúria da mulher, que não tem nada com o cara, mas vê o cara com a outra de sorrisos e abraços. Se fosse ao contrário, eu seria vista como uma galinha, mas como ele é homem tudo é bonito. Sociedade de merda.

- E aí gatinha, posso te conhecer?

- Não, eu sou muito antipática para alguém ter a vontade de me conhecer. – respondi bêbada para algum idiota que queria a minha presença. Ou talvez uns beijos. Ou talvez uma noite de amor. Mas hoje, eu estou mais para um filme de terror.

- Que isso, você é demais...

- Demais é o bafo de cachaça que sai da sua boca, de bêbada já basta eu! – Saí sem olhar pra trás, sou grata a lei Maria da Penha que me protege.

O bar fecha e a vontade de beber não para. O psicológico já se encontra culpado, mas a alegria é imensa, não quero perder um minuto da madrugada. E a bebida não para. Com isso, encontro amigos que não vejo há muito tempo, as gargalhadas são mais espalhafatosas e todo mundo vira rico. Fomos a um posto de gasolina próximo ao bar, mesmo embriagada, enxerguei Daniel de longe, conversando com um dos nossos amigos e eu já louca, sentindo-me a mulher gato. Entrei na loja de conveniência, passei por ele e fingi não ver novamente. Ele estava sozinho e Pâmela não parava de falar no meu ouvido. Mas eu quero beber até morrer e não quero pensar em Daniel e nem nos minutos que ainda me restarão para dormir. Se ainda existir minuto disponível para o sono enlouquecedor de uma bêbada.

- E aí metida... Não fala mais com os pobres não? – Daniel puxou o meu braço, quando estava saindo da loja de conveniência.

- Eu não falo com homem idiota... – Respondi com o meu olhar vesgo alcoolizada e joguei os meus cabelos Maria Bethânia no rosto dele. Tem horas, que além do corpo, o cabelo também se arma por conta do álcool.

- Nossa, mas porque a revolta? Vamos dar uma saída... Estou com saudade...

Fingi não escutar a gracinha e sentei-me na mesa com os meus amigos. Alguns já foram embora e Pâmela me acompanha em todos os goles como sempre. Sem ter nenhuma noção, Daniel resolve sentar do meu lado tentando levar para cama uma Cátia bêbada, como ele já fez diversas vezes, mas desta vez eu o vi com outra. Não tem como, eu já bebi por todo o ano e não posso me deixar levar pelo desejo. Não desta vez.

Pedi para a Pâmela pedir um táxi pelo aplicativo do celular e enquanto esperávamos, um mosquito erótico não cansava de falar no meu ouvido. Isso é, se mosquito falasse...

- Pára de bobeira, você sabe que eu te amo... 

- Oiii??? Daniel, pelo amor de Deus! Seja criativo e moderno, use um novo método de levar alguma mulher para o Motel, este é velho! – Respondi segurando a latinha de cerveja e me dirigindo até o táxi.

- Não vai me deixar ir com você?

- Não! Vai pro inferno! Vai pro Motel com aquela outra... Me deixa em paz! – Bati a porta do carro com raiva, o taxista me olhou com uma cara feia, pedi desculpas e disse o endereço, logo depois de ouvir “TÁ COM CIUMES” de Daniel e alguns amigos que ficaram no posto bebendo.

Às cinco da manhã chego em casa, totalmente embriagada, tiro os sapatos e tomo um banho de gato. Durmo com a maquiagem e acordo trinta minutos atrasada com os berros da minha mãe. Levanto no susto, corro para o banheiro e o carnaval se antecipa com a bateria da escola de samba "Unidos da Ressaca" na minha cabeça. Dez quilos de maquiagem na cara, olhos escuros para me esconder e balas de menta na bolsa e na boca, o cheiro da cachaça e do cigarro impregnaram em mim. Coloco um óculos escuros para disfarçar os olhos de panda e assim que eu chego no trabalho, tenho uma visão assustadora.

- Atrasada não é dona Cátia da Cachaça? – minha gerente já me olha e diz com aquele tom de “hoje você está ferrada!”

Sigo imediatamente para a minha sala tentando disfarçar a embriagues. Coloco uma garrafa de água na mesa, bebo como se estivesse caminhando no deserto e a cada toque do telefone, os meus neurônios se irritavam e o meu corpo se arrepiava. Paciência zero para aturar qualquer ofensa de cliente. Parece que quando isso acontece, a minha gerente fica no meu pé. Sim, aturá-la na ressaca é um teste de sobrevivência.

- Cátia, cadê o relatório? Cátia, já entrou em contato com o cliente de Copacabana? Cátia, cadê a planilha no excel...

- Aaaaaaah que saco! – Pensei alto, mas a minha sorte é que ela já estava fora da minha sala.

Arrependo-me quando me olho no espelho na hora do almoço, choro quando vejo a minha carteira vazia e sinto vergonha de pedir dinheiro emprestado para a minha mãe, afinal, ninguém mandou eu beber além do meu limite corporal e financeiro. Com essas coisas, paro e penso: Por que eu não consigo beber como uma pessoa normal? Já não havia visto os amigos e bebido até umas duas da manhã? Por que mais? A pessoa não se contenta com pouco e sempre quer ir mais além? Coisas da vida, coisas de bêbada depressiva... Às vezes, é minha vida.

Joyce Xavier - Trecho do livro "A outra voz"




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