07 setembro 2016

O amor próprio vence - Marcely Pieroni





Encaixotei as coisas dele como quem pega o que sobrou do amor e joga numa mala qualquer e a perde dentro do armário - um dia a gente reencontra e sorri - hoje só consigo pensar no quanto tem sido difícil levar adiante um relacionamento que faliu. Eu pedi tantas vezes que fosse embora. Ora pelas promessas que fazia e que eu tinha certeza que não cumpriria, ora pela sensação frustrante de que para ele tanto faz como tanto fez. Ele estava acomodado. Acostumado a ter alguém para segurar o barco quando tudo desandava. Deus sabe que dei todas as chances possíveis para a gente recomeçar, mas era nessas brechas que a gente estendia o sofrimento. Que espécie de amor é esse que me deixa chorando de madrugada? Que causa mais desconforto que euforia?

Eu me perdi de mim inúmeras vezes. Me distanciei da realidade e embarquei nas idealizações que o coração apaixonado criou. Juntei o que sobrava dele dentro do quarto e deixei na sala. A essa altura o coração não cabia mais dentro do peito e a saudade instantânea já dava voltas. Os olhos marejavam e eu insistia na frase decorada: vai ser melhor assim. E talvez seja. Daqui um mês ou dois talvez eu nem lembre mais do timbre da voz ou do perfume que ele usava e me deixava na pele.

Pode ser que eu esqueça que a gente se encaixava com facilidade e fazer bobagens era nosso programa a preferido. Talvez eu embaralhe o número dele da memória e acabe apagando sem querer as últimas fotos que tiramos juntos naquele fim de semana. Ou talvez eu o esqueça numa gaveta qualquer. Hoje eu lido com a sensação esquisita de ter que colocar um ponto final nesse amor tão reticente que parece infinito dentro do coração. Nessas horas coloridas pela esperança de quem o vê adentrar e dentro de um abraço acolhe todos os medos de uma vez.

Eu fiz as malas e esperei que fosse embora. Não quis ir atrás. Não ensaiei a despedida. Permiti que fosse devagar. Sabendo que ele contava nos dedos o tempo exato em que eu levaria para largar tudo e voltar atrás. Mas dessa vez foi diferente.

O amor próprio venceu. Finalmente.

Marcely Pieroni

Nenhum comentário:

Postar um comentário