21 dezembro 2016

SILÊNCIO TAMBÉM É REMÉDIO - Por Giselle F



— Quer conversar?

— Preciso, mas não sei se consigo.

— Então dá uma pausa. Se dá um tempo. Faz meditação.

— Sério?

— Sério. E se concentra em ti, na tua respiração. Tenta deixar a mente vazia.

— A última coisa que ela está agora é vazia. Sabe disso, não é?

— Sei, mas faz o que tô falando. Funciona.

— Vou tentar. Mais tarde, tá?

— Tá. Promete?

— Prometo.


 Li há pouco um texto, num blog que adoro, e me pergunto por que foi que não interrompi a leitura logo no título. "A perigosa gravidade de um relacionamento sem pequenas gentilezas". A cada linha uma pontada. Lágrimas se formam, mas insisto em contê-las. Não posso. Não devo. Não quero chorar. Não hoje. Não agora. Não assim.

Galvão Bueno me salva — nunca pensei que diria isso — narrando, irritantemente, mais uma partida de futebol na TV. Ouvi dizer que é um jogo importante e deduzo, pelos socos que vem da outra ponta do sofá, que não vai muito bem. Já mencionei o quanto detesto a voz desse cara? Talvez eu já esteja naquele período do mês que tudo irrita, mas não consigo mais aturar nem uma sílaba do que diz. Apelo para os fones de ouvido e abro o Media Player. Qual era mesmo o CD que eu estava ouvindo da última vez? A voz é logo reconhecida, tanto quanto o aperto no peito.


 "Um grande amor nascenas coisas pequenas,
Num detalhe, num pequeno poema
Numa carona de guarda-chuvas
Na sexta-feira, depois das dez."
Ela Manô - Aconteceu Você


Como algum tipo de conspiração, o CD começa a rodar e desconfio que Ela Manô e Ricardo Coiro estão em conluio pra acabar comigo. A noite não tá fácil, produção. Por falar em noite, o clima parece tão... Sei lá. Sei que venta lá fora, pelo balanço da cortina, mas em mim, tudo está tão... Ameno. Nada de ventos fortes, trovões ou raios sendo disparados peito afora. Nada de olhares estrelados também. Calei-me dias atrás e no meio do meu silêncio constato: nunca gritei tão alto. Sempre tive um medo absurdo de tanto-faz-como-tanto-fez, mas essa noite eu sou a própria indiferença. 

Lembrei que mais cedo estava lendo meu atual livro predileto. Neste capítulo a personagem falava da morte constantemente lhe rondando e de seu dom para tirar a vida de tudo que a cercava. Exagero, claro. Mas entendi perfeitamente e — ouso — até me identifiquei. Sempre que se aproximava de alguém sentia que aquela pessoa partia aos poucos até que, por fim, fosse embora pra valer. Parte dela morreu naquelas linhas. Parte de mim morreu nessa noite. Ainda não sei, com precisão, o quê ou como. Mas não sou mais a mesma. 

Paro o CD, desligo o computador, levanto e vou até a cozinha. Sirvo um copo com água, o maior que tenho, e acabo com metade dele em segundos. A outra metade eu deixo, tomo um gole bem servido e não engulo. Lembro de uma cena do filme "Nosso Lar", em que um rapaz precisa ficar o máximo de tempo que puder com a água na boca e então encontrará a cura. Aprendi com Chico Xavier que silêncio também é remédio. Engulo. Repenso todas as palavras que fervilham e querem sair, mas continuo calada e sigo a rotina impecavelmente.

Tomo um banho quente, quase fervendo, e faço do banheiro a minha sauna, como se pudesse respirar tranquilidade e me acalmar de dentro pra fora. Massageio meus ombros da forma que consigo, tentando deixar a água levar a tensão que tem me consumidos nos últimos dias. Termino o banho, vou para o quarto e fecho a porta que, infelizmente, não é tão grossa pra abafar o berros que Galvão ainda solta lá na sala. Escolho uma camisola confortável, pego o celular, busco uma música tranquila e descubro que preciso atualizar minha biblioteca. Nada ali serve para o meu propósito. Apelo para o Youtube e busco alguma playlist da Enya.

A voz dela me acalma. Coloco meus fones, aumento o volume e mergulho em doçura, afinação e silêncio. Fecho os olhos lentamente enquanto me ajeito na cama. Sento, cruzo as pernas, repouso minhas mãos nos joelhos e respiro fundo algumas vezes. Uma, duas, tr... Sinto meus pêlos arrepiando, sinto algo quente escorrendo pelo meu rosto e o gosto de sal que é familiar. Nada de soluço. Aquele foi um choro silencioso, mas seria impossível dizer que não foi doloroso.

Não me recordo de nada que tenha passado pela minha mente naquele momento, nem sei quanto tempo fiquei ali. Concluo que, talvez, tenha aprendido a esvaziar a mente naquela noite e sorrio agradecendo, mentalmente, a recomendação da amiga insistente. Lembro que acordei com energias, esperança e força renovadas.

Algo em mim nasceu naquela noite. Ainda não sei, com precisão, o quê ou como. Mas não sou mais a mesma.

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GISELLE F. / Escritora 
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